Lendas Chinesas de cura: A serpente na Medicina Tradicional Chinesa e na culinária

Periodicamente, todas as serpentes mudam a sua camada exterior para sair uma pele mais flexível, mais nova, assim permitindo que elas cresçam. Este processo é chamado de ecdise e depois disto surgem escamas maiores e de cores mais vivas. Os chineses da Antiguidade, ao observarem a serpente se contorcendo para verter a pele sem medo da dor, associaram o fenômeno biológico ao renascimento. Inclusive, especularam sobre a sua imortalidade, uma lenda popular do condado Deqing em Cantão, conta o porquê da capacidade de rejuvenescimento da serpente.
Há muito tempo os homens apenas precisavam plantar o arroz e, quando os grãos maturavam, não precisavam colhê-los, pois os talos repletos de arroz dirigiam-se sozinhos para a porta do seu proprietário. Naquela altura, homens e serpentes eram bons amigos e as suas únicas preocupações eram com o envelhecimento e a morte.
Um dia, uma anciã e uma serpente conversavam às portas fechadas se havia maneiras de se evitar o fim. A serpente teve uma ideia e sugeriu de se livrarem da pele para que nascesse uma camada externa nova e surtisse o efeito de rejuvenescimento. A velha senhora achou uma boa ideia, e as duas começaram a tentar a arrancar a pele do corpo.
A cobra escolheu um piso irregular e áspero para se contorcer e esfregar o seu corpo àquele chão. Apesar da dor, a serpente persistiu, até a pele verter-se por inteira.
A velha senhora resolveu deitar-se sobre a cama, torcia-se sobre a esteira e a dor que sentia parecia-lhe insuportável. Apenas tinha saído a pele de sua fronte quando o arroz maduro veio bater à sua porta. Como ela não atendia, ele insistiu por várias vezes, a velha senhora gritou de dentro do quarto, impaciente:
— Daqui por diante não venha mais aqui, espere-me na lavoura para lhe colher.
Obediente, o arroz voltou para os alagadiços e, a partir de então, nunca mais saiu de lá.
Depois, a anciã disse à serpente:
— Como é dorido mudar a pele, eu prefiro morrer a passar por esse sofrimento.
Desse momento em diante, o ser humano quando velho parte para o céu; enquanto a serpente troca a pele a cada dois ou três meses e rejuvenesce.
À serpente também está relacionada a grande capacidade reprodutiva no imaginário chinês. No interior da Mongólia,
                 
diz-se que um rapaz ao encontrar um casal de serpentes em cópula deve tapar as suas cabeças com um lenço, de forma a ficar com poderes mágicos para enfeitiçar a sua pretendente. Na Planície Central Chinesa, os antigos também conferiam importância à reprodução humana para o aumento da força produtiva às lidas da lavoura e acreditavam que, ao comer o ofídio, poderia aumentar e melhorar o ato de procriação. Esse hábito alimentar remonta ao período dos Reinos Combatentes (475-221 a.C.) e permanece até os dias de hoje. Ao andar pelo interior da China, encontram-se aguardentes com a infusão de serpente e a sua carne é considerada como uma especiaria, muito apreciada em pratos tradicionais.
Liu Zongyuan (773-819), poeta confucionista e expoente na literatura chinesa da dinastia Tang (618-907), legou para a posteridade um dos mais belos registos e crítica à injustiça social do sistema vigente na altura: “O caçador de serpente” [捕蛇 bŭ shé]
Conta-se que no interior de Yongzhou, província de Henan, existia uma espécie de serpente listrada em preto e branco. Dizia-se que a víbora provocava a morte de qualquer ser vivo que a tocasse. O seu veneno era mortal e não existia qualquer antídoto. Entretanto, a peçonhenta morta servia como princípio ativo para fórmulas medicinais,  para o tratamento de hanseníase e úlceras, entre outras doenças. Da sua pele podia extrair-se essências para a eliminação de parasitas do corpo. Sendo a atividade de captura desse tipo de serpente muito perigosa, o médico real obteve autorização do imperador para isentar o pagamento de impostos a quem as apanhasse e as entregasse duas vezes ao ano ao palácio imperial.
Nessa localidade, existia uma família de apelido Jiang que tradicionalmente caçava essa espécie de cobra. A família já gozava há três gerações do benefício de isenção de impostos. Ao ser questionada sobre o seu sentimento em relação ao trabalho, o Jiang relatou que tanto o avô como o pai tinham falecido durante a atividade do ofício. Ele já exercia essa profissão há 12 anos e, por pouco, não tinha caído também em desgraça.
Sentindo muita comiseração pela tragédia de Jiang, Liu Zongyuan sugeriu-lhe mudar de ofício. Jiang, ao ouvir a oferta, agradeceu-lhe dizendo:
— Você sugere isso por pena de mim? Pois, lhe digo que prefiro continuar a exercer essa profissão desgraçada,  do que voltar a pagar impostos! Caso eu não fizesse isso, eu já teria morrido de tanto trabalhar. Eu e a minha família moramos aqui há 70 anos; entretanto, os meus vizinhos estão cada vez mais pobres devido ao fardo de impostos e, por mais que trabalhem, nunca é o suficiente para quitá-los. Os meus vizinhos que não morreram de fome fugiram para escapar da coleta de impostos; enquanto eu, devido à caça da serpente, sobrevivi e vou levando a vida. Pelo menos corro risco de vida apenas duas vezes ao ano.
No Compêndio de Ervas Medicinais, do século XV, há ainda uma série de indicações quanto ao poder de cura da serpente.
Informações, Cursos, Vivênias, Palestras e Tratamentos:
mmnaturopatia@gmail.com

Comentários

Postagens mais visitadas