O Díluvio narrado pelos Chineses
Segundo uma lenda, no tempo pré-histórico da China houve uma
enorme inundação que teve proporções calamitosas para os seres humanos e causou
inimagináveis desastres. A terra converteu-se então, em um imenso oceano, todas
as plantações ficaram submersas, muitas casas destruídas e os humanos -
ajudando os anciões e levando aos braços as crianças - tendo-se refugiado nas
montanhas ou simplesmente procurando socorro no topo das arvores. Como não
puderam suportar os constantes sofrimentos do vento e da chuva e, particularmente,
não encontraram quaisquer alimentos, muitos acabaram por morrer de fome ou de
frio. Os mais afortunados encontraram abrigos nas grandes montanhas, em grutas,
ou improvisaram pobres cabanas de ramos e folhagens, só encontrando para comer cascas
de arvores e legumes selvagens. Como muitos animais ferozes e venenosas
serpentes também fugiram ao flagelo, indo para as partes mais altas destas
montanhas ameaçando assim ainda mais a vida dos seres humanos, é impossível
dizer-se quantas pessoas morreram realmente de fome, de frio ou da ferocidade
dos animais.
Em completo desânimo, os seres humanos não encontraram outro
remédio senão pedirem clemência ao Imperador Celestial e implorar-lhe que
controlasse as águas e os salvasse desta vida de miséria; contudo, o soberano,
entretido com as suas distrações e prazeres no Palácio Celestial, não queria
prestar atenção aos sofrimentos dos seres humanos, aos olhos dele estes não
eram mais do que formigas, boas para nada.
Mas, o Imperador Celestial tinha um neto chamado Gun que, tendo
tomado a peito os sofrimentos dos homens, decidiu interceder ao avô por eles.
Se bem que fosse um deus e um neto do Imperador Celestial, não
lhe foi fácil uma entrevista com o soberano. Na realidade, ele já tinha por
várias vezes feito este pedido de audiência, contudo, ou tinha sido informado a
ultima hora que o avô estava muito ocupado e não tinha tempo para o receber ou
a sua entrada aos apartamentos reais tinha sempre sido vigorosamente impedida
pelos guardas. O Imperador Celestial era realmente um arrogante, egoísta,
desprovido de quaisquer sentimentos, mesmo para com os seus próprios
descendentes.
Um dia, extremamente preocupado com a situação insuportável dos
humanos, Gun irrompeu pela porta do Palácio Celeste dizendo que tinha assuntos
urgentes a relatar ao soberano, não deixando aos guardas outra alternativa
senão leva-lo imediatamente a presença real.
O Imperador Celestial estava degustando diversas frutas
preciosas enquanto seguia enlevado os graciosos movimentos de um grupo de fadas
que dançavam ao som de uma musica suave. Ao aperceber-se da súbita aparição do
neto sem reparo a sua dignidade protocolar, o Imperador Celestial ficou zangado
e perguntou-lhe friamente:
- Qual assunto é o teu para ser assim tão urgente?
- Caro avô, as águas já inundaram toda a superfície do mundo dos humanos e os sobreviventes estão sofrendo grandes padecimentos: doenças, fome,
privações, violências... Desgraçados deles! Imploro-lhe que tomemos medidas
urgentes para dominar as águas salvando a vida dos humanos da miséria por que
passam! - respondeu Gun.
- Não pode ser! - disse furioso o Imperador Celestial. - Os
seres humanos tem vindo a cometer cada vez mais crimes e devem ser castigados
com estas calamidades; além disso, não tenho tempo suficiente para tratar de
assuntos de menor importância como esses. Espero, portanto, que, de agora em
diante, não me incomodes mais!
Assim, Gun foi obrigado a retirar-se silenciosamente da presença
do soberano com o coração ainda mais dilacerado pelos sofrimentos dos seres
humanos. Sem conseguir se conter, andava de um lado para o outro pensando:
"Custe o que custar, devo salvar a humanidade dos limites da destruição
total!". Mas, que podia ele fazer se todos os poderes máximos do universo
estavam nas mãos de seu avô?
As águas continuavam subindo, engolindo campos, casas,
colinas... até mesmo acabando por submergir as mais altas arvores. No caso das águas não virem a ser rapidamente dominadas, todas as terras e seres humanos
estariam a ponto de desaparecer para sempre. O horror da cena das águas turbinadas alastrando-se pelos quatro cantos do globo, e os gritos desesperados
das pessoas partiam o coração de Gun, mas ele, apesar da sua bondade e retidão
encontrava-se impotente perante tal e miserável situação. Agora, o único
fenômeno que poderia vir a dominar as inundações era um diminuto, mas
extremamente pesado, bloco de solo amarelo magico chamado Terra Prolifera. Este
objeto, mediante umas palavras magicas, tinha a propriedade de em um abrir e
fechar de olhos, alastrar o seu volume para vários quilômetros, dezenas de
quilômetros ou mesmo centenas de milhares de quilômetros - podendo assim
controlar as inundações e redescobrir a superfície da terra.
A Terra Prolifera estava, no entanto, guardada em um lugar
secreto, sendo extremamente difícil a sua obtenção.
Ora, certo dia, ao passar esvoaçando um passarolo frente a Gun,
ele deteve-o e perguntou-lhe:
- Olá, caro amigo! Sabes, por acaso, que a humanidade esta
sofrendo enormes calamidades?
- Sim, já sei. Se as águas continuarem a correr impetuosamente,
a raça humana será brevemente exterminada - respondeu o pássaro.
- Esvoaçando tão frequentemente pelo Palácio Celeste e com a tua
penetrante visão, saber-me-ias, por acaso, dizer qual o local de um tesouro
magico que procuro?
- De que se trata?
- Da Terra Prolifera que esta sob o controle do meu avô, o
Imperador Celestial. Para dominar as águas da terra é indispensável consegui-la. Sabes onde se encontra esse objeto magico?
- Não tenho bem a certeza - disse o pássaro - mas acho que deve
encontrar-se algures no Palácio Posterior, pois ouvi dizer que todos os
tesouros do Imperador Celestial então ali guardados em inúmeros cofres de jade.
- Faz-me um grande favor, vai lá e verifica se porventura a
Terra Prolifera se encontra lá de verdade. O pássaro concordou acenando a
cabeça e partiu mas, como anoitecia e as portas celestes já se encontrassem
fechadas, ele teve de, magicamente, piscar os seus olhos batendo ao mesmo tempo
ambas as suas largas asas para conseguir entrar no pátio, pousando assim, no
exterior do parapeito duma das janelas do Palácio Posterior. Escrutinando o
seu interior, o pássaro deparou-se com uma imensidão de cofres de jade
arrumados metodicamente em filas e gravados em caracteres dourados: o Elixir da
Imortalidade, a Bengala de Mil Anos, a Cordoalha para Subir ao Céu... e entre
todos os demais, em uma esquina: a Terra Prolifera. Contentíssimo com o seu
achado, o pássaro revoou imediatamente para fora do palácio, indo ter com Gun,
e contou-lhe o que tinha visto.
O problema era agora como obter a Terra Prolifera pois que, esta
sendo tão pesada, nem Gun nem o pássaro tinha forças para a remover. Gun
quedou-se pensativo durante alguns instantes e depois, a passos largos,
dirigiu-se ao Rio Celeste (Via Láctea) indo pedir ajuda a gigantesca tartaruga
imortal - o único ser capaz de transportar tamanho peso. Ali chegado, Gun
encontrou a tartaruga fazendo um passeio pela margem do rio e contou-lhe o que
pretendia dela. Apos ter ouvido com atenção as suas palavras, a tartaruga
concordou esticando o pescoço, e prontificou-se a roubar a Terra Prolifera com
o fim de salvar a humanidade.
Guiada pelo pássaro, a tartaruga imortal dirigiu-se ao Palácio
Posterior onde, depois de abrir um buraco na parede, rastejou no interior em direção
ao cofre da Terra Prolifera. Tendo-se apoderado do bloco, meteu-o as costas e
levou-o a Gun, chegando banhada de suor e sufocada de cansaço.
Ao ver a Terra Prolifera, Gun ficou extremamente contente e
pediu a tartaruga um ultimo favor, que transportasse o objeto do céu para a
terra, colocando-o em uma posição desejada.
- Cresce! - entoou, então, Gun, como se tivesse recitado uma
oração encantada.
E, no mesmo instante, a Terra Prolifera começou a crescer,
expulsando as águas em todas as direções e fazendo reemergir a crosta terrestre.
Assim, a humanidade foi salva e os sobreviventes puderam
regressar das montanhas as suas terras natais. Cheios de alegria e esperança,
os homens recomeçaram a lavrar os terrenos, a semeá-los e a construir casas...
a partir de então, os humanos tem vindo a levar uma vida feliz sobre a terra e
contribuído para lhe dar uma fisionomia cada vez mais prospera.
Não tardou, no entanto, que a noticia do roubo da Terra
Prolifera chegasse aos ouvidos do Imperador Celestial que, colérico, chamou Gun
e interpelou-o em um tom severo:
- Que audácia foi essa! O roubo da Terra Prolifera foi uma ação
de traição aos meus desejos! Advogando a justa causa da sua ação, Gun
corajosamente protestou ao avô dizendo-lhe em um tom enérgico:
- As grandes inundações provocaram no mundo tamanhas fomes e
sofrimentos que deram origem a generalizados queixumes e blasfêmias por parte
da humanidade contra vós! Creio não ter sido injusto tomar medidas para salvar
os seres humanos dos limites da morte.
- O melhor é calares-te imediatamente! Sabes bem que não te
deves atrever a falar-me em um tom de tal descortesia! - replicou-lhe ainda
mais furioso o Imperador Celestial, ordenando a um dos seus subordinados,
chamado Zhu Rong, que matasse imediatamente Gun ao pé da montanha de Yushan,
situada no polo norte da terra.
Depois da execução de Gun, o Imperador Celestial recuperou
também a Terra Prolifera e apareceram de novo maciças inundações por toda
parte, tendo sido o resultado de todos os trabalhos efetuados pelos seres
humanos outra vez destruídos pelas águas.
Embora Gun tivesse sido morto, o seu ardente e justo coração
continuava batendo e o seu cadáver continuava intacto, permanecendo três anos
consecutivos sem apodrecer. Ao ser informado do que se passava a este respeito,
o Imperador Celestial, assustado e preocupado pela eventual ressuscitação de
Gun, mandou um dos seus generais escortinhar o ventre do cadáver mas, ao chegar
ao local para executar a ordem recebida via, de repente, o ventre de Gun abrir-se
por si só diante dos seus olhos e o coração dele transformar-se na pessoa do
seu filho, a quem chamaram de Da Yu - logo depois o cadáver de Gun afundou-se
nas profundas águas do rio Yuyuan convertendo-se em um peixe-dragão.
Tal como o pai, Da Yu mostrou ser também um deus bondoso e
honesto e ainda mais inteligente e valente do que Gun. Para continuar a missão
do pai, ele decidiu levar a bom termo a causa da salvação do seres humanos.
Revoltado contra os ditames do Imperador Celestial, Da Yu
resolveu não ir ao céu pedir a ajuda do soberano e, resolveu antes, com sua
inteligência e poderes sobrenaturais, organizar pessoalmente os seres humanos a
dominarem as águas.
Da Yu sabia que os culpados das inundações eram os gênios das
montanhas e os demônios das águas e que as suas ações criminosas eram
realizadas sob as ordens de Gong Gong - o deus supremo das águas - e que se
quisesse dominar radicalmente as águas tinha que, em primeiro lugar, eliminar
todos esses malvados.
Da Yu fez, então, convocar na montanha de Maoshan, situada a
beira do mar do Leste, uma reunião geral destinada a elaborar um plano de
expedição contra Gong Gong. Todos os deuses participantes nesta reunião estavam
de acordo com a supressão do malvado demônio, e assim, Po Yi - deus dos
pássaros, Wu Muyou - deus das árvores, Tong Lu - deus do firmamento, Geng Chen
- deus do tempo, uns quantos dragões celestes e outras tantas criaturas
fantásticas ficaram incumbidas de realizar tarefas respectivas na grande
expedição contra Gong Gong.
Depois de analisarem a situação geral das águas, aperceberam-se
que a zona da montanha Tongpo, nas planícies centrais, era o lugar atingido
mais gravemente pelos inundações. Como este lugar estivesse sob o domínio de Wu
Zhigi - deus dos rios Huaihe e Wohe, este se valia dos seus poderes mágicos
para provocar constantes ondas e ventos, atuando a seu bel-prazer e sem
consideração pelos humanos. Da Yu, que já tinha previamente passado por esta
zona três vezes, tinha ficado com o conhecimento dessa enorme escala das inundações.
Seguindo as ordens de Da Yu, Tong Lu e Wu Muyou foram os
primeiros a enfrentar Wu Zhigi, mas nem com os seus esforços associados o
conseguiram vencer. Wu Zhigi era um deus extremamente cruel e astuto e tinha
uma fisionomia que aparentava a de um macaco: nariz achatado e dentes serrados
e, com o seu corpo preto e a sua cabeça branca de testa alta e olhos reluzentes
podia esticar o seu pescoço até o comprimento de cem metros. A sua força era
tão grande que podia enfrentar nove elefantes ao mesmo tempo, e como tinha
poderes de aparecer e de desaparecer com grande agilidade sobre e sob a
superfície das águas, era quase impossível de ser capturado. Depois das
tentativas fracassadas dos primeiros dois deuses, Da Yu mandou Geng Chen
combate-lo. Desta vez, se bem que Wu Zhigi fosse extremamente ardiloso, não
conseguiu escapar aos poderes de Geng Chen - deus do tempo - e foi finalmente
capturado. Por ordem de Da Yu, Wu Zhiqi viu o seu pescoço acorrentado por uma
grilheta de ferro e o seu nariz perfurado por um anel de ouro, vindo depois a
ser preso sob o peso esmagador da montanha da Tartaruga, adjacente a um dos
afluentes inferiores do rio Huaihe, desde então, nunca mais veio a provocar
catástrofes.
Apos ter liquidado Wu Zhigi, Da Yu começou a organizar o ataque
contra Gong Gong - deus das águas - que se encontrava na região de Kongshan, a
leste da China. Para evitar que Gong Gong se lhes escapasse, caso este viesse a
saber da captura secreta de Wu Zhigi, Da Yu convocou então, outra reunião
cimeira em Maoshan para projetar um novo plano de combate, de modo a organizar
um cerco definitivo que aniquilasse de uma vez por todas o maldoso demônio mas,
devido a chegada tardia do deus do vento, Da Yu perdeu a ocasião oportuna para
o ataque, e Gong Gong que entretanto, tinha simultâneamente recebido as
noticias sobre a captura do deus dos rios Huaihe e Wohe e sobre as ações
unificadas dos deuses em uma expedição contra ele, aproveitou a oportunidade
para se precaver e retaliar provocando, colérico e temeroso, uma grande inundação
na zona de Kongshan. Quando o deus do vento finalmente chegou a montanha
Maoshan, foi sumariamente executado por ordem de Da Yu, devido a ser o culpado
da perda da planejada batalha contra Gong Gong. Tempos depois, para honrar os
méritos de Da Yu, os seres humanos mudaram o nome da montanha Maoshan para
Huiji que significa "lugar de reunião onde se deliberam projetos".
Depois da captura de Wu Zhigi e da fuga de Gong Gong, a tarefa
principal apos terem sido dominadas as águas, viria a ser a drenagem das águas para o mar, de modo a descobrir-se de novo a superfície da terra, tornando
propicia a humanidade uma vida em paz. Mas, como para por em pratica tal e
glorioso objetivo era necessário, em primeiro lugar, conhecer-se minuciosamente
a topografia do mundo, então, Da Yu ordenou a Da Zhang e Jian Hai - dois
grandes generais celestes - que medissem criteriosamente o planeta. Da Zhang
percorreu a terra dos seus extremos leste a oeste calculando a largura desta
ser de 100.016.750 quilômetros. Jian Hai, por sua vez, caminhou do polo norte
ao sul chegando a conclusão que o comprimento da terra era da mesma cifra que a
sua largura. Além disso, ambos informaram Da Yu com descrições concordantes: a
terra era constituída por rios impetuosos, lagos de sinuosos perfis, altas
montanhas e em numerosos e terríveis abismos. Efetivamente, não seria fácil
controlarem-se definitivamente as águas de tão extenso território, com uma
topografia tão diversificada, mas, tal como um ditado chinês que diz:
"perseverança no trabalho pode remover quaisquer obstáculos", também
Da Yu não ficou intimidado perante tais dificuldades e persistiu em salvar a
humanidade da miséria. De fato, ele tinha já dedicado todos os seus esforços ao
trabalho de dominar as águas: atravessando rios, subindo montanhas, cruzando
nove continentes, visitando dez mil países longínquos... Durante essas
incursões, já Da Yu tinha desafiado mil aventuras, inspecionado múltiplos
lugares despovoados e, logicamente, visto muitas coisas extra-ordinárias e
ouvido inúmeras historias interessantes.
No processo de dominar as águas, em múltiplas ocasiões, Da Yu
tinha obtido numerosas e dedicadas ajudas de vários deuses. Um dia, encontrava-se ele inspecionando a configuração de um terreno no monte da
Porta-do-Dragão, onde Fu Xi vivia, quando este ultimo veio ao seu encontro e o
presenteou com o Plano dos Oito Trigramas, no qual estavam representados,
respectivamente, o Céu, a Terra, a Água, o Fogo, a Montanha, o Trovão, o Vento
e o Lago, o qual demonstrou vir a ser um precioso instrumento no domínio das águas. Outro dia, encontrava-se Da Yu inspecionando as correntes do rio
Amarelo, quando lhe apareceu entre as ondas, subitamente, Feng Yi - deus das águas -, um ser de rosto humano e corpo de peixe, e lhe ofereceu um Mapa dos
Rios. Como este mapa indicasse, detalhadamente a orientação e a força das
correntes de todos os rios situados nas planícies centrais da China e estivesse
correto de acordo com as suas próprias e prévias investigações, Da Yu
sentindo-se ainda mais confiante e seguro para dominar as águas, decidiu
iniciar a execução de gigantescas obras hidráulicas e, pegando em uma picareta
e em uma canastra, começou orientando milhares e milhares de pessoas escavando
lagos, construindo diques, transportando terras, arrasando montanhas e
nivelando abismos. A tartaruga imortal reapareceu para colaborar no progresso
das obras, podendo de uma vez só transportar uma colina inteira ou preenchendo
um profundo abismo. O dragão Ying um sobrenatural gigante de força hercúlea -
também veio oferecer os seus préstimos para a construção das obras, prestando
com sua cauda, mais dura que o aço, consideráveis contribuições escavando e
dragando vários rios por dia.
De todas as obras projetadas, a mais difícil e perigosa de
executar era a supressão do monte da Porta do Dragão. Este monte, cobrindo uma
área de varias centenas de quilômetros quadrados estava situado no curso médio
do rio Amarelo, impedindo a franca passagem das suas águas que aqui se
transformavam em uma corrente impetuosa por serem coagidas a atravessarem um
desfiladeiro muito estreito e alcantilado. Assim, cada vez que ocorriam grandes
chuvas, o rio transbordava causando inundações enormes e calamidades nos
terrenos do curso interior do rio.
Sem temer quaisquer dificuldades ou hesitar minimamente perante
os perigos, Da Yu participou pessoalmente junto aos demais trabalhadores no
processo das obras do monte da Porta-do-Dragão, quer sob o Sol escaldante do
verão que fazia ferver a superfície das pedras e encharcar de suor os corpos
das gentes, quer sob o vento glacial do inverno que fazia gelar até a medula
dos ossos.
Através das quatro estações, nem o vento, nem a geada, nem a
chuva, nem a neve e nem mesmo animais ferozes ou os mais venenosos insetos
vieram a impedir o árduo avanço da obra.
No dia da sua conclusão, todos, homens e mulheres, idosos e
crianças gritaram orgulhosamente de alegria e rodearam Da Yu com tanta
vivacidade que os seus clamores repercutiram-se nas alturas, e fizeram o
Palácio Celeste tremer de tal maneira assustando o Imperador Celestial, que
jamais tinha imaginado os seres humanos capazes de tanta energia e euforia.
Desde então, a Porta-do-Dragão tornou-se um lugar misterioso
pois que, segundo uma lenda, na primavera de todos os anos, todas as carpas do
rio Amarelo acordavam para ai se reunirem, e realizarem uma competição
extraordinária: as que conseguissem transpor tal obstáculo convertiam-se em
dragões, e as que falhassem em ser bem sucedidas, eram compelidas a morrer
impedidas pelos choques das águas contra as rochas - apesar disso, não havia
uma só carpa que desdenhasse provar a sua fortuna.
A mulher de Da Yu, por ser proveniente da montanha Tushan, no
sul da China, era mais conhecida pela jovem de Tushan. Apos ter-se casado com
ela, Da Yu só tinha permanecido em casa quatro dias, devido a ter partido com a
intenção de dominar as águas da terra. Posteriormente, quando a sua mulher deu
a luz um filho, este foi chamado de Qi - que significa "pôr-se a
caminho" - conforme o nome que Da Yu tinha escolhido para o seu
primogênito antes de se ausentar do lar, em memoria desse dia de despedida e de
empreendimento.
Após a partida do marido e durante a sua prolongada ausência, a
jovem de Tushan, sempre repleta de saudades dele, frequentes vezes subia a uma
colina perto da sua casa carregando no colo o filho de ambos, pensando que se
Da Yu porventura regressasse, a reunião familiar seria assim imediata. De modo
a melhor poder exprimir nesse momento todos os seus sentimentos a quem amava,
ela tinha escrito uma composição intitulada A Canção de Saudade, que
começava do seguinte modo:
Que prolongado foi o tempo de espera!...
E quando ela cantava, os sentimentos que exprimia eram o que lhe
ia no mais fundo do coração, sendo a melodia de um arrebatador encanto - talvez
por isso, os seus versos foram sendo, tradicionalmente, considerados como a
primeira poesia de amor do sul da China.
Um dia, como de costume, estava ela de pé no cimo da colina
carregando nos braços o seu filho e presenciando o horizonte, quando enxergou
um homem que se vinha aproximando de longe em sua direção. Mesmo quando ele já
estava perto dela, a jovem de Tushan continuava sem poder reconhecer tal homem
magro e de tez queimada pelo Sol, com as mãos e os pés cobertos de grossos
calos, e vestido de roupas remendadas... até que finalmente, ela acabou por o
reconhecer: era de fato o seu marido! Da Yu tinha finalmente regressado, e o
fulgor dos seus olhos refletiam do mesmo modo a sua inteligência e a sua
tenacidade de outrora.
A jovem de Tushan ficou muito contente pelo regresso do seu
marido mas, ao ver o lastimável aspecto que este apresentava, imediatamente um
constrangimento intimo apoderou-se dela e implorou a Da Yu que repousasse sem
mais demora.
- Desculpe-me, mas de momento não posso satisfazer o seu pedido
- disse-lhe este - pois ainda não consegui dominar as águas e milhares e milhares de seres humanos continuam ainda ameaçados pelas horríveis inundações.
Agora, o mais urgente a fazer é salvar todos os seres humanos do perigo que
lhes ameça a vida!
- Mas então não poderás permanecer em casa por um ou dois dias
só? - retorquiu a jovem de Tushan. Só o tempo necessário para que eu recomponha
o seu vestimento e te arranje um novo par de sandálias de palha.
- O meu tempo é precioso! Bem sei que tens vindo a passar muitas
dificuldades por motivo da minha tão longa ausência - disse-lhe Da Yu, em um
tom apologético - mas eu não posso descansar antes de ter dominado as águas.
Mal tinha acabado de proferir tais palavras, Da Yu tomou o seu
filho dos braços da mulher e beijou-o carinhosamente; depois, em breves termos,
consolou a mulher o melhor que pode e pôs-se a caminho sem mesmo volver a
cabeça.
De fato, Da Yu nunca mais voltou a casa durante todo o processo
das obras da Porta-do-Dragão se bem que viesse a passar por mais de três vezes
frente a sua porta.
Passaram-se um, dois, três... tantos anos, Da Yu tinha caminhado
de sul a norte, do lugar do nascer do Sol ao poente, desafiando o vento, a
chuva e as mais diversas intempéries e dificuldades, mobilizando, organizando e
dirigindo o povo no progresso construtivo dos imensos empreendimentos
hidráulicos. Durante treze anos consecutivos, os seres humanos escavaram lagos,
nivelaram abismos, dragaram rios... gradualmente as águas começaram a correr
para os mares de acordo com o desejo de todos. As largas extensões das férteis
planícies voltaram a ficar expostas, e os refugiados das grutas puderam
regressar as suas terras natais para aí reconstruírem casas, cultivarem sementeiras,
criarem gados, pastarem ovelhas... era o inicio de uma nova vida!
Assim e sob a direção de Da Yu, os seres humanos dominaram as águas mediante os seus próprios esforços, sem pedirem a intervenção do Imperador Celestial nem utilizarem a Terra Prolifera. Isto veio a fazer crescer
o prestigio de Da Yu, simultaneamente constituindo um motivo de orgulho
generalizado de toda a humanidade. Tomando em consideração as suas façanhas e
os seus méritos, o povo deu unanimemente a Da Yu toda a sua confiança e apoio,
elegendo-o como o sucessor de Da Shun - o soberano da China de então que,
devido a sua avançada idade e débil saúde, em breve viria a rescindir do seu
trono em favor do herói.
Segundo certas lendas antigas, Da Yu foi o primeiro imperador da
dinastia Xia (Século XXI - Seculo XVI a.e.c.). Depois de subir ao trono,
escolheu Po Yi e Gao Tao para ajuda-lo no governo do seu pais, em todo o
território veio a reinar a ordem e a prosperidade. Da Yu continuou a
interessar-se pelo bem-estar do seu povo, frequentemente inspecionava todas as
regiões do seu pais. Assim que soubesse que uma influência de gêneros ou
matérias existia em uma região, Da Yu ordenava imediatamente que produtos
adequados fossem transportados dos lugares mais prósperos para os mais necessitados,
atendendo, deste modo, a que todas as populações pudessem gozar o mais
permanentemente possível de uma vida feliz e pacifica. Além disso, ele ensinou
também ao seu povo o método de plantar arvores e de semear arroz nos terrenos
alagadiços. Durante todos os anos, no seu governo, as nove prefeituras do seu
país contribuíram periodicamente com uma certa quantidade de produtos locais à
capital, não sendo estas dadivas para satisfazer os interesses próprios de Da
Yu, mas sim, para motivar um maior intercâmbio de produtos e acesso dos mesmos
a um maior em número de habitantes.
Entre os soberanos da antiguidade remota da China, Da Yu é
considerado como um talentoso e dedicado monarca que grandes contribuições fez
em prol do seu povo. Ainda hoje se mantem popular um ditado que diz: "Que
não é inferior a Da Yu!" - pertinente para elogiar a contribuição de
personagens de grandes méritos a serviço do povo.
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